quinta-feira, 10 de março de 2011

A arte de ler... e reler

Ler, pensar e escrever 
Reler é verbo insistente, que não tem medo de bicho papão nem de repetição.
O próprio verbo reler é um duplo ler, pois se eu leio reler de trás para a frente ele fica exatamente igual: é reler pra cá... reler pra lá...
A releitura é ler de novo o que já é velho, encontrando novidades que só podem estar ocultas no que todo mundo viu, mas não percebeu.
Faltou releitura.
Releitura é deixar de ser "analfabeto para as entrelinhas" (Guimarães Rosa) e captar o que estava lá, mas a pura leitura não soube fisgar, peixe fugidio, lebre arisca, raio de sol.
Releitura cura superficialidade.
Releitura faz bem aos olhos.
Releitura de manhã ajuda a pensar.
Releitura à noite protege contra pesadelos.
A releitura é como a água, tanto bate até que fura... nosso medo de entender.
Leia de novo: re-lei-tu-ra. De novo: re-lei-tu-ra.
De que vale ao homem ter muitos livros se não tiver tempo para reler? Reler devagar, reler palavra a palavra, letra a letra, degustando cada milímetro de cada significado?
Reler não é chupar uma laranja de novo. O milagre da releitura é que sempre há mais suco na segunda vez. E mais suco ainda na terceira.
Reler é a arte de voltar ao mesmo lugar como se fosse pela única vez.
Reler é remar no mesmo mar como se fosse pela primeira vez.
Reler o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou. Será? Mas se era pouco não era amor.
Reler é reatar a infância.
Reler é entrar de novo na ciranda, ciranda cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar, vamos nesta rua, nesta rua, e nesta rua tem um bosque que se chama, que se chama solidão, dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração.
Reler é reatar passado-presente-futuro.
Samba Lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada. Samba Lelê precisava... é de umas boas lambadas. Fui no Itororó beber água, não achei, mas achei bela morena que no Itororó deixei, aproveita, minha gente, que uma noite, que uma vida não é nada... e se não dormir agora... dormirá de madrugada.
Ah, como é bom reler e reouvir essas velhas canções, que nos fazem ficar um pouco mais novos.
Sobre o autor:
Gabriel Perissé é autor dos livros "Ler, pensar e escrever" (Ed. Arte e Ciência), "O leitor criativo" (Omega Editora), "O professor do futuro" (Thex Editora) e "Palavras e origens", Ed. Mandruvá.

                                      http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=117&rv=Colunistas

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